Salvador Sobral no Centro Cultural do Cartaxo
Acabado de sair do concerto do Salvador Sobral no Centro Cultural do Cartaxo, as palavras são confusas para explicar o que aconteceu naquela sala de 300 e poucos lugares, confusas porque se atropelam para sair. Salvador pediu ao seu público para ouvir com o coração e assim foi, estive do principio ao fim com o coração junto à boca.
Depois de uma entrada em palco acompanhada de uma gigantesca ovação (não sei se fruto da sua participação da Eurovisão se do seu genuíno talento ou se do seu notável à-vontade com o público) , ovação essa dada por um Centro Cultural do Cartaxo completamente esgotado (isso sim fruto da Eurovisão), Salvador Sobral e os notáveis Júlio Resende ao piano (autor de trabalhos extraordinários como “Amália por Júlio Resende” ou “You Taste Like a Song” e que é dono de um dedilhar apaixonante), André Rosinha no contrabaixo (notável músico que partilha autoria com Salvador de um tema extraordinário tocado esta noite) e Bruno Pedroso na bateria (músico virtuoso com anos de carreira tocando com os mais variados músicos e cantores) começaram uma noite que creio que poucos dos que encheram aquele auditório irão esquecer nos próximos tempos.
Salvador Sobral é genuíno e é isso que faz dele o vencedor que é, tem a verdade na voz, no corpo e no que diz, seja nas suas letras ou quando fala, sem filtros, com o público. É essa genuinidade, essa verdade, tantas vezes perdida noutros artistas, tantas vezes ofuscada por uma opulência desnecessária, por lantejoulas fora do sitio (atenção que eu sou um grande defensor de lantejoulas quando bem utilizadas), que no caso de Salvador Sobral resiste e esperemos que continue a resistir durante muito tempo.
A sua forma de cantar é extraordinária, o seu movimento corporal, completamente primitivo, liga-se às raizes, como quem faz amor ou como quem come uma grande refeição. Salvador Sobral faz amor com cada uma daquelas canções, e faz uma refeição de vários pratos durante um concerto como o que vimos.
Ontem sucederam-se grandes canções do seu disco “Excuse me”, tendo começado com “Change” que deixou o auditório em silêncio total. “Change” começa com “Some things will never change, that’s what you told me” e é disso que Sobral fala durante o espectáculo, da mudança que tem vindo a afectar a sua vida depois da vitória na Eurovisão. Parece que algumas coisas acabam por mudar, pelo menos o conseguir comer um croissant descansado numa pastelaria sem que lhe venham pedir para tirar fotografias “como se fosse um animal no zoo”.
Pelo meio apresentou-nos o extraordinário “Presságio” de Fernando Pessoa (O amor, quando se revela / Não se sabe revelar / Sabe bem olhar p'ra ela / Mas não lhe sabe falar) com música de Júlio Resende e passa por “Playing With the Wind” que acaba a cantar para dentro do piano numa quase cena de amor com Júlio Resende que ambos magistralmente levam até ao fim.
Passou, como é natural, por “Amar Pelos Dois” a sala empolgou-se e gritou e ele bisou!
Cantou também “Benjamin” uma canção muito completa e que (já vendo as coisas pelo meu lado) daria um excelente filme ou até uma base para um espectáculo de palco. Salvador prometeu que em breve saberíamos mais sobre este Benjamin... cá estaremos.
Várias foram as canções que se seguiram até chegar à incrível “Ay Amor” de Bola de Nieve da qual faz uma interpretação notável. Depois de sair e voltar ao palco e depois de vários pedidos a selecção foi para “Redy for Love Again” com uma ponte para “Blame It On My Youth” onde a electricidade falhou e Salvador Sobral e o músicos continuaram sem parar perante um auditório em silêncio e envolto numa aura sublime que rebentou no final em aplausos.
Concluindo, Salvador Sobral é um músico incrivelmente completo, mas mais do que isso é um showman. E se, de facto, “Some things will never change”, é um artista com futuro garantido.
Fotos de Vitor Neno.