Monday, December 17, 2012

Táxi




- Boa noite.
- Boa noite.
- Era para a Av. dos Estados Unidos. O mais rápido possível.
- Rápido, hoje, a esta hora? Isso é que não me parece muito possível. Sabe que dia é hoje?
- Sei. É precisamente por isso. Se não estivesse cheia de pressa não me tinha metido num táxi, pode ter a certeza.
- Pois, hoje toda a gente tem pressa. Parece que deixam todos as compras para o último dia! Será que ninguém esperava que o Natal fosse a 25 de Dezembro?
- Se tivesse tido tempo, garanto-lhe que não tinha deixado tudo para hoje. Ou acha que é muito divertido andar aqui a esta hora e ainda ter de ir fazer a ceia para dez pessoas? Buzine… buzine. Olhe que esse aí está estacionado. Mal, mas está…
- É. Aposto que está à espera que a madame saia da loja. Isto é que é uma vida! Mas quem me manda a mim andar a trabalhar num dia destes? Sai daí! Mexe-te, ó…! (faz uma manobra esforçada) Pressa, pressa… se tem pressa vá a pé, que é melhor. Olhe que por aqui não vamos a lado nenhum depressa.
- Bem, deixe lá, não se enerve que não vale a pena. Afinal, é Natal, tempo de paz e boa vontade entre os homens, não é?
- Pois. Aqui mesmo é só boa vontade, não vê? Ó caramelo, tira lá essa coisa da frente… Saiu-te a carta no preço certo em euros? Isto é que é uma vida!
- Deixe lá, já percebi que depressa não pode ser. Olhe, paciência. Não estou para me chatear mais. Isto não é Natal, não é nada, parece uma maratona. (liga do telemóvel)
– Está? Sou eu. Olha, eu estou no trânsito e não sei a que horas é que me livro disto…
O taxista fala, lá para fora:
- Isso, bate, bate que és tu quem pagas! Vá, dá-lhe com força. Se esta sucata for para a oficina, acabam-se as pressas. Luzes, luzes… (pisca com os dedos) não vês? Ela (continuando) - … então, pede à tua mãe que meta o animal no forno, está bem? É só meter no forno, está tudo pronto. E depois ir vendo, claro, ela sabe… Pois…
- Ó dona, vou meter por aqui, é um bocadinho mais longe, mas parece que está desimpedido.
- Sim, vá por onde lhe parecer melhor. (continuando) … e vê lá se tratas do vinho, está bem? Então vá, até já…
- Pronto, por aqui já uma pessoa se safa. Nestes dias não vale a pena andar a trabalhar, é o que lhe digo. Não é para nós nem para os clientes. Pagam mais e são mal servidos e eu não ganho para o gasóleo nem para os calmantes.
- Calmantes? Não me diga que toma calmantes. Os calmantes tiram os reflexos, não pode andar a conduzir, é um perigo.
- Pois não, experimente a dona andar aqui neste trânsito, sem calmantes e depois vai ver. Não tenha medo, que eu não adormeço. Se eu nem de noite durmo, quanto mais de dia. Isto dá insónias a qualquer! (para fora) – Não tens piscas, não? Isto é que é… - O senhor não se ponha assim. Quando chegar a casa, ao pé da família, nem lhe apetece festejar, vai cheio de stress.
- Festejar? Ó minha senhora, a festa é largar esta porcaria das mãos. Sabe qual era a melhor prenda de Natal que me podiam dar? Um emprego sentado a uma secretária!...
- Pois, sentado a uma secretária é mais sossegado. Mas olhe que num escritório nem tudo são rosas, pode crer! Principalmente nesta época. São os cartões de boas-festas para mandar e para agradecer, são os telefonemas a toda a hora, é a proximidade do balanço, é a confusão total. Não pense que é fácil, não…
- Bem, de qualquer maneira, nem se compara, não é? Isto aqui é o inferno na terra! E um inferno que vem desde Outubro, ou mesmo desde Setembro, mal começam as aulas, mas quando começam os primeiros dias de chuva, então é que não pára mais a confusão. Vai direitinho, até ao Natal e sempre a agravar. - As ruas não foram feitas para tanto carro.
(excerto da peça "Taxi", texto de Maria Eduarda Colares a partir de uma ideia de Frederico Corado)

No comments: