Sunday, May 21, 2006

BECKETT ON FILM


Texto para catalogo do FAMAFEST 2006
BECKETT ON FILM
Estragon: Well, shall we go?
Vladimir: Yes, let's go. (They Don’t Move)
In “Waiting For Godot”

O projecto “Beckett on Film” foi idealizado por Michael Colgan, director artístico do Gate Theatre de Dublin, onde em 1991 produziu o Beckett Festival, pondo em cena as dezanove peças de Samuel Beckett durante um período de três semanas. O sucesso do festival foi tão grande que foi levado ao Lincon Center de Nova Iorque em 96, vindo a repetir-se em anos seguintes, tendo o último sido realizado no Barbican Center em Londres. Em 1996 Colgan, associando-se a Alan Moloney, produz o projecto “Beckett on Film”, com a RTE, Channel 4 e o Irish Film Board.
O projecto “Beckett on Film”, reúne pela primeira vez a gravação de todas as dezanove peças de teatro de Samuel Beckett (“Waiting for Godot”, “Krapp’s Last Tape”, “Happy Days”, “Endgame”, “Not I”, “What Where”, “Catastrophe”, “Act Without Words II”, “Rough for Theatre I”, “Footfalls”, “Rough for Theatre II”, “A Piece of Monologue”, “Ohio Impromptu”, “Come and Go”, “Breath”, “Play”, “Act Without Words I”, That Time” e “Rockaby”), realizadas e interpretadas por alguns dos mais interessantes realizadores e actores da actualidade. O “star factor” poderia fazer com que a série vivesse unicamente dos nomes escolhidos, mas não, nota-se a preocupação de escolher nomes, mas nomes com um selo de qualidade, actores e realizadores que para além do seu nome tragam algo mais ao universo beckettiano e isso é notável.
“Act Without Words 1” é um excelente início para este projecto, realizado pelo checoslovaco Karel Reisz (“Night Must Fall”, “Isadora”, “The French Lieutenant's Woman”) a partir da peça sem palavras escrita em francês por Beckett, aqui representado por Sean Foley (vencedor do Olivier Award por “Do you come here often?”) num trabalho notável de mímica e contenção. Logo a seguir vem “Act Without Words II” realizado por Enda Hughes, realizadora irlandesa de curtas-metragens que aqui dirige Pat Kinevane (Actor do Gate Theatre em peças como “As You Like It”, “Waiting for Godot”, “She Stoops to Conquer” e “A Midsummer Night's Dream” e também de “Act Without Words II”, “Not I” e “What Where” no Beckett Festival no Barbican Centre em Londres em 1999) e Marcello Magni (“Honest Whores” (Globe), “King Lear” (Young Vic) e “Mother Courage”. Fundador do Theatre de Complicite) numa mímica cíclica, rotineira e hipnotizante.
“Breath” é um notável trabalho de 45 segundos, realizado pelo inglês Damian Hirst, um nome maior das artes plásticas europeias, que nos transporta neste filme/instalação a uma pilha de lixo com uma única voz que chora e respira, perdendo-se naquela limitada imensidão. A voz é a do actor Keith Allen (“Trainspotting”, “My Wife is an Actress”, “Shallow Grave”).
“Catastrophe” é um notável trabalho de David Mamet (autor das peças “Oleanna” ou “Glengarry Glen Ross” (Prémio Pulitzer), entre outras. Realizou “The Postman Always Rings Twice”, “The Untouchables”, “Hoffa”, “Wag the Dog”, etc) onde o palco se torna protagonista e o actor um fantoche de um encenador e da sua assistente. Um elenco notável com Rebecca Pidgeon (“State and Main”), Harold Pinter (um dos dramaturgos mais influents do século, autor das peças “The Caretaker”, “The Lover”, “The Homecoming”, “Old Times”, “No Man's Land” e “Betrayal” e dos argumentos cinematograficos “The Last Tycoon”, “The French Lieutenant's Woman”, “The Handmaid's Tale”, “Remains of the Day”, etc) e um notável John Gielgud (“Shine”, “Prospero's Books”, etc. No teatro a sua última peça foi em 1987 “The Best of Friends”. “Catastrophe” viria a ser o seu último trabalho).
John Crowleyis (encenador) realiza “Come and Go”, sete minutos apenas, mas que condensam três vidas de três mulheres numa mistura de segredos e evidências, com Anna Massey (“Frenzy”, de Hitchcock), Sian Phillips (“Dune”, “Valmont”, “Clash of the Titans” e “The Age of Innocence”) e Paola Dionisotti.
”Endgame” que há pouco tempo tivemos oportunidade de ver em Portugal numa produção da Primeiros Sintomas e do Teatro Meridional, com as duplas João Lagarto e Gonçalo Waddington ou Miguel Seabra e Diogo Infante, aparece aqui numa realização de Conor McPherson (escritor e realizador), com Michael Gambon (um dos actores fundadores da National Theatre Company no Old Vic sob a direcção de Laurence Olivier e actor em “The Cook, The Thief, his Wife and Her Lover” ou “Sleepy Hollow”) no papel de Hamm e em Clov, David Thewlis (“The Big Lebowski”, “Naked”). Nagg está entregue a Charles Simon (“Topsy-Turvy”, “Shadowlands”) e Nell a Jean Anderson
“Footfalls” é uma realização do encenador alemão Walter Asmus que levou à cena “Waiting For Godot” em 1988 no Gate Theatre e que junta agora Susan Fitzgerald e Joan O'Hara neste diálogo entre May e a voz da sua mãe.
A canadiana Patricia Rozema realiza “Happy Days”, que recentemente vimos com o título “Ah Que Ricos Dias” pela Companhia Teatral do Chiado com Lia Gama e Alberto Vilar, encenado por Juvenal Garcês, onde Rosaleen Linehan interpreta a Winnie e Richard Johnson o Willie no cenário natural de Tenerife, numa mise-en-scene envolvente para aquela que é talvez a mais divertida peça de Samuel Beckett.
“Krapp’s Last Tape” realizado por Atom Egoyan (“Felicia's Journey”, “The Sweet Hereafter”, “Exotica”, etc) tráz um notável John Hurt (“Midnight Express”, “The Elephant Man”, ”Alien”, etc) numa ligação entre o homem e a máquina, o passado, o presente e um possível futuro, a memória e a perca da mesma.
“Not I”, de que alguns possivelmente recordam a Graça Lobo primeiro no Teatro Nacional D. Maria II e posteriormente gravada para RTP, aparece aqui numa interpretação da boca de Julianne Moore (“Short Cuts”, “Boogie Nights”, “The Big Lebowski”, “Magnolia”, “Safe” ou ”An Ideal Husband”) e numa realização de Neil Jordan (“Company of Wolves”, “The Crying Game”, “Michael Collins”, “The Butcher Boy” ou o recente “Breakfast on Pluto”) que aqui adultera aquilo que creio ter sido a ideia inicial de Beckett de um plano único da boca, entrecortando-a em nove diferentes planos.
Realizado por Robin Lefevre (actor, encenador e realizador), “A Piece Of Monologue” mostra-nos o actor Stephen Brennan num monólogo hipnotizante de 20 minutos que nos faz querer ver mais e ouvir mais.
“Ohio Impromptu” é outro ponto alto deste projecto, com Jeremy Irons (“Brideshead Revisited”, “Reversal of Fortune”, “The French Lieutenant's Woman”, “Kafka”, etc) numa interpretação notável consigo mesmo, com realização de Charles Sturridge (“Runners”, “A Handful of Dust”, “Aria”, etc) mostrando-se envolvente e perturbadora neste diálogo unilateral entre leitor e ouvinte.
“Play” é outra das mais notáveis peças de Beckett, aqui realizada por Anthony Minghella (“Truly, Madly, Deeply”, “The Talented Mr Ripley”) com Alan Rickman (“Bob Roberts”, “Sense and Sensibility”, “Michael Collins”), Kristin Scott Thomas (“The English Patient”, ”Mission: Impossible”, “Four Weddings and a Funeral”) e Juliet Stevenson (“Truly, Madly, Deeply”, “Drowning by Numbers”) num triângulo amoroso contado por três cabeças pertencentes a três corpos enclausurados dentro de três urnas.
“Rockaby” realizado por Richard Eyre (“The Ploughman's Lunch”, “Laughterhouse”) com Penelope Wilton num confronto entre o interior e o exterior, entre o ser e o ter sido.
“Rough for Theatre I” do realizador irlandês Kieron J Walsh com David Kelly (“nto the West”, “Philadelphia Here I Come”) e Milo O'Shea (“Ulysses”, “Romeo and Juliet”, “Barbarella”, “The Butcher Boy”) é a história de uma tentativa de união entre um cego e um homem com problemas de mobilidade, de maneira a juntarem visão e mobilidade e assim puderem viver as suas antigas paixões.
Katie Mitchell (encenadora da Royal Shakespeare Company, Royal National Theatre, Royal Court Theatre, Donmar Warehouse) dirige Jim Norton, Timothy Spall (“Topsy-Turvy”, “Secret and Lies”, “White Hunter Black Heart”) e Hugh B O'Brien em “Rough for Theatre II”, a tentativa de calcular uma vida através de documentos desprezando por completo o ser humano, numa tarefa unicamente burocrática.
Realizado por Charles Garrad (director artístico de dois outros filmes do projecto “Waiting for Godot” e “Act Without Words I”, “That Time” com Niall Buggy (“The Butcher Boy”, “Sweeney Todd”) é a reunião de três monólogos retirados de três momentos diferentes da vida de uma personagem, três vozes diferentes para cada momento e no ecrã o homem que apenas ouve.
“Waiting for Godot”, é uma das, senão a mais, conhecida peças de Beckett, acompanhando a espera infindável de Vladimir, Estragon, e depois Pozzo e Lucky por Godot. Como disse a crítica irlandesa Vivian Mercier “Waiting for Godot is a play in which nothing happens, twice”. Uma realização de Lindsay-Hogg (“Let it Be”, “Two of Us”, “The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde”) com Barry McGovern (“Joe Versus the Volcano”, “Braveheart”, “Felicia's Journey”), Johnny Murphy (“The Commitments”) e Stephen Brennan.
Do realizador Damien O'Donnell (escritor e realizador), com Gary Lewis (“Gangs of New York”, “Billy Elliot”, “My Name is Joe”, “Carla's Song”, “Shallow Grave”) e Sean McGinley (“The General”m “The Butcher Boy”, “Michael Collins”, “Braveheart”), “What Where” é o ultimo filme deste projecto, um interrogatório a três personagens que são posteriormente enviadas para o confessionário.
Um projecto não só altamente louvável e indispensável, mas também muito bem conseguido. Por vezes este género de iniciativas fica-se apenas pelas intenções, e de boas intenções… No entanto este é um projecto muito bem construído, o que nos leva a pedir à nossa estação estatal acções semelhantes dedicados a autores portugueses.
“Beckett on Film” ganhou o prémio de 'Best TV Drama' no South Bank Show Awards.

No comments: